29/12/2016

Dor Patelofemoral - de onde vem a dor? - parte 1




Uma pergunta para a qual não se tem uma resposta e que, na verdade, pode ter várias respostas: na Dor Patelofemoral (erroneamente chamada de condromalácia patelar), de onde vem a dor?


O que gera dor dentro do joelho?
Você seria capaz de se submeter a um procedimento cirúrgico, em consciência, no qual seu joelho seria "aberto" e as estruturas dele seriam estimuladas para se descobrir de onde vem a dor?

Pois bem, o cientista Scott Dye se submeteu a isso (1). Ele mesmo apresentava grau 2 a 3 de condropatia (na patela), sem sintomas.

Basicamente, apenas com anestesia local, foi feita uma artroscopia, na qual as estruturas eram pressionadas e ele relatava a intensidade e o tipo de dor sentida.

Em relação à classificação utilizada, graduaram de 0 a 4 o que era sentido. Em 0, nada era sentido. Em relação aos outros valores:
1=consciência não-dolorosa;
2=desconforto leve;
3=desconforto moderado;
4=dor intensa.

Essa classificação era subclassificada em:
A=localização espacial precisa;
B=sensação imprecisa.

A cartilagem articular da patela, nas regiões medial e lateral apresentou nível 0, na parte inferior ("odd facet"), apresentou nível 1B.

A cartilagem do fêmur e da tíbia (tróclea femoral, côndilos femorais ou platôs tibiais) apresentou sensação de 1B a 2B.

Estruturas ao redor da patela, como a bursa suprapatelar, os retináculos medial e lateral e a cápsula articular geraram sensação de 3A a 4A. A gordura de Hoffa e a membrana articular geraram sensação 4A.

Os ligamentos cruzados anterior e posterior apresentaram sensações de 1B a 4B. Os meniscos apresentaram sensações de 1B a 3B, sendo as maiores intensidades nas bordas externas.

O que isso nos mostra? Que diversas são as estruturas do joelho que podem gerar dor e incômodo. Porém, o máximo que as cartilagens (da patela, fêmur ou tíbia) apresentaram foi a sensação de desconforto impreciso leve. Outras estruturas, como a gordura de Hoffa, a bursa suprapatelar e os retináculos apresentaram sensações bem mais intensas.

Pra quem quiser ver uma ilustração esquematizando esses achados, acesse o site do próprio autor do autor principal desse estudo.

Se formos considerar as estruturas que geraram dor nesse experimento, considerando os sintomas clínicos da dor patelofemoral, seria muito mais plausível assumirmos que a dor está se originando de estruturas como as últimas mencionadas do que da cartilagem.

A Ressonância Magnética e a Dor Patelofemoral
Um dos exames que mais vemos sendo recomendados para indivíduos com dor patelofemoral é a ressonância magnética. Será que ela nos ajuda a distinguir a origem da dor?

Já vimos que atletas sem sintomas têm alterações nos exames de imagem. Esses estudos, porém, não eram específicos da articulação patelofemoral. Num estudo que comparou as alterações do joelho de indivíduos com dor patelofemoral, comparando-as com indivíduos sem dor, através do exame da ressonância, não se observou diferença entre ter alterações e ter ou não ter a dor  (2). De fato, mesmo alterações da gordura de Hoffa não foram diferentes entre os grupos. Se a relação entre alteração das estruturas, conforme a ressonância mostra, e a dor patelofemoral fosse realmente importante, deveria não apenas ter havido uma diferença entre os grupos, como as pessoas com alteração deveriam ter dor. Uma outra análise feita com esse mesmo grupo de indivíduos mostrou, inclusive, que a composição da cartilagem da patela parece não ter ser diferente entre aqueles com e sem dor patelofemoral (3). Um outro estudo mostrou que a intensidade da dor não tem relação com a intensidade das alterações da cartilagem (4).

O grande segredo da cartilagem
A cartilagem não é inervada (5). Não sendo inervada, não há como ser fonte de dor.

Então de onde vem a dor?
Não sabemos ao certo, mas existem vários aspectos a serem considerados. Diversas estruturas do joelho têm o potencial de gerar dor (6), como citamos anteriormente. Usualmente a dor é sentida a partir de um estímulo dessas estruturas, estímulo esse que chega ao cérebro e, então, é interpretado como sendo dor (esse é um processo bem complexo, não é nossa intenção destrinchá-lo aqui nesse texto). Porém, existem situações em que a dor sentida passa a ser excessiva perante o estímulo fornecido, nessas situações pode-se ter o que se chama de sensibilização central (7) que, basicamente, significa que há uma maior predisposição em sentir dor. Não vamos nos focar nesse aspecto da sensibilização central agora (iremos mais à frente). Vamos voltar a falar de estruturas que podem estar gerando a dor.

Falamos de várias delas quando mencionamos o experimento realizado no joelho, no início do texto. Uma das que não falamos que é, possivelmente, uma estrutura que pode estar gerando (ou contribuindo) com a dor na dor patelofemoral é o osso.

O osso é bastante inervado (5) e, dessa forma, pode gerar dor. Sua compressão, durante os movimentos de dobrar ou esticar o joelho, poderia estar gerando a dor. Existem evidências, baseadas em exames como cintilografia óssea, que estão sugerindo que o aumento da atividade metabólica do osso está relacionado com a presença de dor em indivíduos com dor patelofemoral  (8, 9, 10).

Ou seja, o osso é outra possibilidade. Mas, além de não ser possível confirmá-lo como sendo a origem das dores.

Como podemos ver, não é uma pergunta que se responde de forma precisa. O "não sei a origem da dor" é a resposta mais exata que temos no momento. Embora o osso da patela e os outros tecidos redor dela, possam responder a essa pergunta, ainda assim responderia apenas parcialmente, pois existem situações, em indivíduos caracterizados como tendo dor patelofemoral, onde há um aumento da sensibilidade à dor. E é sobre isso que vamos falar no próximo artigo.

                                                                                                                                                parte 2>>>

Referências Bibliográficas
1. Dye SF, Vaupel GL, Dye CC. Conscious neurosensory mapping of the internal structures of the human knee without intraarticular anesthesia. Am J Sports Med. 1998 Dec;26(6):773–7. 
2. van der Heijden RA, de Kanter JLM, Bierma-Zeinstra SMA, Verhaar JAN, van Veldhoven PLJ, Krestin GP, et al. Structural Abnormalities on Magnetic Resonance Imaging in Patients With Patellofemoral Pain: A Cross-sectional Case-Control Study. The American Journal of Sports Medicine. 2016 Sep 1;44(9):2339–46. 2. 
3. van der Heijden RA, Oei EHG, Bron EE, van Tiel J, van Veldhoven PLJ, Klein S, et al. No Difference on Quantitative Magnetic Resonance Imaging in Patellofemoral Cartilage Composition Between Patients With Patellofemoral Pain and Healthy Controls. The American Journal of Sports Medicine. 2016 May 1;44(5):1172–8. 
4. Pihlajamäki HK, Kuikka P-I, Leppänen V-V, Kiuru MJ, Mattila VM. Reliability of Clinical Findings and Magnetic Resonance Imaging for the Diagnosis of Chondromalacia Patellae: The Journal of Bone and Joint Surgery-American Volume. 2010 Apr;92(4):927–34.  
5. Junqueira LC, Carneiro J. Histologia basica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1995.
6. Biedert RM, Stauffer E, Friederich NF. Occurrence of free nerve endings in the soft tissue of the knee joint. A histologic investigation. Am J Sports Med. 1992 Aug;20(4):430–3. 
7. Nijs J, Torres-Cueco R, van Wilgen CP, Girbes EL, Struyf F, Roussel N, et al. Applying modern pain neuroscience in clinical practice: criteria for the classification of central sensitization pain. Pain Physician. 2014 Oct;17(5):447–57. 
8. Sequential Radionuclide Imaging of the Patellofemoral Joint in Symptomatic Young Adults S. F. Dye, MD, P. K. Peartree, MD--San Francisco, California. The American Journal of Sports Medicine. 1989 Sep 1;17(5):727–727. 
9. Draper CE, Fredericson M, Gold GE, Besier TF, Delp SL, Beaupre GS, et al. Patients with patellofemoral pain exhibit elevated bone metabolic activity at the patellofemoral joint. Journal of Orthopaedic Research. 2012 Feb;30(2):209–13. 
10. Ro DH, Lee H-Y, Chang CB, Kang S-B. Value of SPECT-CT Imaging for Middle-Aged Patients with Chronic Anterior Knee Pain. BMC Musculoskeletal Disorders [Internet]. 2015 Dec [cited 2016 Nov23]; 16(1).Available from: http://bmcmusculoskeletdisord.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12891-015-0628-9 


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